Preparava o jantar com um enorme carinho, mas, porque à hora aleatória não estava pronto, comeu no focinho. Muito bonita e airosa, murraças lhe trespassaram o corpo, frágil e de pescoço fino.
Habituada a uma vida maldita, seguia sempre para a frente, o nó na garganta, um górdio incómodo.
Na mente sempre as duas filhinhas, uma com quatro, outra com nove. A mais velha já começava a perceber algumas coisas.
À noite servia de tapete de serviço para um bruto, sujo e de fedorácia transpirada asfixiá.
Enquanto pequenita, ninguém se questionou, sobre o seu olhar para o vazio, limbo. Pequenita e rechonchuda, cedo despertou a cobiça do tio.
Aprendeu que tem de valer por si e partir para a frente. Pôs o divórcio em cima da mesa, sabendo de antemão, o calvário de valentes tareias que tinha de percorrer.
Uma das vezes, até de cinto apanhou. O Benfica tinha perdido com um penalti no último minuto. Encaixou a fava do árbitro.
Tantas vezes mal fodida, inundada, enojada, encolhida e enconada.
Após o divórcio, o tribunal estabeleceu uma pensão. O animal nunca a pagou.
Nisto, certo dia, a administração da fábrica onde trabalhava, convocou um plenário. Apareceu um corto-maltese, muito bem parecido e equilibradamente loquaz, de gel e câns pintadas, com fato de preçário acima do salário mínimo.
Esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília, não está para aí virada. Sabe que tem de ir para a frente. Sabe que o que teve, é fruto do seu trabalho, nunca teve benesses, nem a tal se candidatou.
Mês após mês, as finanças iam definhando. Agora sozinha, com duas filhas e a pagar uma renda de uma casa que nunca seria dela.
Com o cheque do subsídio de desemprego na mão, certa vez no banco, um engano ocorreu.
O funcionário diz-lhe, Houve um engano, você tem de devolver os €400 e eu anular o movimento, foi um erro do sistema.
A nossa pequenita, No fim do mês eu regularizo. Você não está a entender, tem que me devolver o dinheiro e depois fala com o gerente. Então eu falo com ele. Ele não está, só vem à tarde. Então venho à tarde falar com ele, no fim do mês eu pago.
Nisto, a nossa pequenita por dentro vibrava, mais, sangrava. No impasse, pegou na sua sacolinha e andou muito depressa, no sentido da porta de saída.
Para pessoas honestas, estas coisas doem a dobrar. Mas aqueles €400 muito jeito deram, um balão de oxigénio, apenas €400...
Acertou o colega do lado, deixa... Palpite certeiro, pois no fim do mês, ela correspondeu.
Na carreira sub-urbana, na fila de trás sentadinha, por entre os pés molhados, consequência de um capetinha que passou de propósito na poça em frente à paragem, gozando o seu meio-minuto de prazer, segurava uma saca plástica que continha uma toalhinha bordada que tinha visto na promoção. E que bem que ficava na mesa da cozinha!
Recostou-se no casaquinho de malha, já meio húmido, do cacimbo que caía, numa noite que volta sem precisar de despertador. Ela olhava pela janela, tremelique, consoante as travadas de um empregado esquadrilhado para chegar em casa.
Esta nossa, pequenita, calada e quieta Marília!
Nostálgica do trabalho - esta nossa pequenita trabalhava que se fartava! -, da companhia das colegas, não compreendia o fecho, pois tanto trabalho havia.
O que não sabia esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília, é que do outro lado do mundo em restaurantes top building, piano-bar 24H em turnos de 8H, com vistas 360º, se discutiam assuntos como down-sizing, lay-offs, custos de exploração, rendibilidade e a puta do caralho que nem um broche em condições era capaz de fazer. Joe, esta philipinnes ainda vêm do mato, as mexicans ao menos, barateiras, não comprometiam. I´m sorry boss, o próximo lote será de melhor qualidade. I´m sorry! Enquanto se passam gráficos Excel de exercícios trimestrais.
Esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília, recebe um short message service (SMS) de uma ex-colega, que conseguiu um franchising de serviços rápidos de costura. Não prometeu salário, mas receberia à peça. Em pouco, esta nossa pequenita equilibrou as finanças, pois trabalhava que se desunhava.
Esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília.
À noite, deitadinha, ela reza. Rezas improvisadas, reza pelas filhas. O que ela não sabe, é que suas preces são ouvidas.
De manhã, enquanto percorre a pé, o seu caminho, entidades, elementos que através do vento, dos raios solares, sabedores de todas as histórias, ainda se vão se surpreendendo com estas forças estranhas. Percorrem-lhe o corpo, sentido a energia, desta força sobrenatural.
Esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília, é tremenda, um colosso, um verdadeiro poço de energia.
Arrebitada, de passo firme, ela avança com toda a confiança.
Esta nossa, pequenita, calada e quieta, Marília.
Habituada a uma vida maldita, seguia sempre para a frente, o nó na garganta, um górdio incómodo.
Na mente sempre as duas filhinhas, uma com quatro, outra com nove. A mais velha já começava a perceber algumas coisas.
À noite servia de tapete de serviço para um bruto, sujo e de fedorácia transpirada asfixiá.
Enquanto pequenita, ninguém se questionou, sobre o seu olhar para o vazio, limbo. Pequenita e rechonchuda, cedo despertou a cobiça do tio.
Aprendeu que tem de valer por si e partir para a frente. Pôs o divórcio em cima da mesa, sabendo de antemão, o calvário de valentes tareias que tinha de percorrer.
Uma das vezes, até de cinto apanhou. O Benfica tinha perdido com um penalti no último minuto. Encaixou a fava do árbitro.
Tantas vezes mal fodida, inundada, enojada, encolhida e enconada.
Após o divórcio, o tribunal estabeleceu uma pensão. O animal nunca a pagou.
Nisto, certo dia, a administração da fábrica onde trabalhava, convocou um plenário. Apareceu um corto-maltese, muito bem parecido e equilibradamente loquaz, de gel e câns pintadas, com fato de preçário acima do salário mínimo.
Esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília, não está para aí virada. Sabe que tem de ir para a frente. Sabe que o que teve, é fruto do seu trabalho, nunca teve benesses, nem a tal se candidatou.
Mês após mês, as finanças iam definhando. Agora sozinha, com duas filhas e a pagar uma renda de uma casa que nunca seria dela.
Com o cheque do subsídio de desemprego na mão, certa vez no banco, um engano ocorreu.
O funcionário diz-lhe, Houve um engano, você tem de devolver os €400 e eu anular o movimento, foi um erro do sistema.
A nossa pequenita, No fim do mês eu regularizo. Você não está a entender, tem que me devolver o dinheiro e depois fala com o gerente. Então eu falo com ele. Ele não está, só vem à tarde. Então venho à tarde falar com ele, no fim do mês eu pago.
Nisto, a nossa pequenita por dentro vibrava, mais, sangrava. No impasse, pegou na sua sacolinha e andou muito depressa, no sentido da porta de saída.
Para pessoas honestas, estas coisas doem a dobrar. Mas aqueles €400 muito jeito deram, um balão de oxigénio, apenas €400...
Acertou o colega do lado, deixa... Palpite certeiro, pois no fim do mês, ela correspondeu.
Na carreira sub-urbana, na fila de trás sentadinha, por entre os pés molhados, consequência de um capetinha que passou de propósito na poça em frente à paragem, gozando o seu meio-minuto de prazer, segurava uma saca plástica que continha uma toalhinha bordada que tinha visto na promoção. E que bem que ficava na mesa da cozinha!
Recostou-se no casaquinho de malha, já meio húmido, do cacimbo que caía, numa noite que volta sem precisar de despertador. Ela olhava pela janela, tremelique, consoante as travadas de um empregado esquadrilhado para chegar em casa.
Esta nossa, pequenita, calada e quieta Marília!
Nostálgica do trabalho - esta nossa pequenita trabalhava que se fartava! -, da companhia das colegas, não compreendia o fecho, pois tanto trabalho havia.
O que não sabia esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília, é que do outro lado do mundo em restaurantes top building, piano-bar 24H em turnos de 8H, com vistas 360º, se discutiam assuntos como down-sizing, lay-offs, custos de exploração, rendibilidade e a puta do caralho que nem um broche em condições era capaz de fazer. Joe, esta philipinnes ainda vêm do mato, as mexicans ao menos, barateiras, não comprometiam. I´m sorry boss, o próximo lote será de melhor qualidade. I´m sorry! Enquanto se passam gráficos Excel de exercícios trimestrais.
Esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília, recebe um short message service (SMS) de uma ex-colega, que conseguiu um franchising de serviços rápidos de costura. Não prometeu salário, mas receberia à peça. Em pouco, esta nossa pequenita equilibrou as finanças, pois trabalhava que se desunhava.
Esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília.
À noite, deitadinha, ela reza. Rezas improvisadas, reza pelas filhas. O que ela não sabe, é que suas preces são ouvidas.
De manhã, enquanto percorre a pé, o seu caminho, entidades, elementos que através do vento, dos raios solares, sabedores de todas as histórias, ainda se vão se surpreendendo com estas forças estranhas. Percorrem-lhe o corpo, sentido a energia, desta força sobrenatural.
Esta nossa pequenita, calada e quieta, Marília, é tremenda, um colosso, um verdadeiro poço de energia.
Arrebitada, de passo firme, ela avança com toda a confiança.
Esta nossa, pequenita, calada e quieta, Marília.
(2)
Publicado em simultâneo no Cheira-me a Revolução!
(1) Paula Rego, colecção "Mulher-Cão".
(2) Deep Forest - Marta's Song.
(1) Paula Rego, colecção "Mulher-Cão".
(2) Deep Forest - Marta's Song.
6 comentários:
Sr. Zotze, o sinal gritante de férias que já se encontram na curba descendente é uma bonita pedrada no charco...
Quem sabe as coisas não se passaram mesmo dessa forma, quem sabe Marília não viveu essa experiência como a descreveste, a realidade toma sempre tantas perspectivas insuspeitas...
Lembra-te que segunda voltas ao trabalho, que isto é complicado só com o Sr. Zoares :)
Um grande abraço.
Bom post, meu caro.
Há muitas vidas miseráveis que não fazem qualquer sentido numa sociedade de «Terceira Vaga». Há que redistribuir muito rapidamente, nem que seja necessário fazer rolar (literalmente) algumas cabeças.
Foda-se ó Zorze que agora estiveste bem! Até me humedeceram os olhos (só os de cima, nada de confusões!).
Esta é uma realidade muito constante em países terceiro-mundistas como o nosso. (In)Cultura enraízada nas mentes bafias e salazarentas que ainda resiste. Sopas de cavalo cansado, escarreta para o chão e arroto, sinais de virilidade, e se pelo meio se enfiar uma galheta na fêmea, não fica nada mal. E viva Portugal!
Quantas e quantas Marília's há espalhadas por ai. Quantas e quantas vezes se repete a mesma sina a todas.
Hoje, talvez, nota-se mais estes casos devido a situação económica das famílias mas estes problemas sempre existiram, mesmo no tempo das vacas gordas, a brutalidade, a imbecilidade , a animalidade de algumas bestas sempre existiu, camuflada, escondida.
Há que mudar sim mas são as mentalidades, redistribuição de riqueza é para aqueles que não querem fazer muito esforço.
Abraços.
eh amigo Zorze que texto,mas enfim é essa muitas vezes a realidade de muitas mulheres que depois com medo ficam caladas e não denunciam os maridos,nem procuram ajuda em instituições com a APAV,e depois ou vivem sempre essa vida de sofrimento e maus-tratos,e quando vão parar ao hospital inventam algo para não descobrirem que era o marido que dava porrada,ou então essas pessoas morrem ou tão desesperadas suicidam-se ou acabam por matar elas o marido,há muitos casos infelizmente e com a crise há cada vez mais dificuldades económicas e claro tb sociais que podem levar a que isso aconteca.
Fizeste bem divulgar esse texto que retrata bem a violência doméstica a que as mulheres são sujeitas,aqui foi a Marilia,mas podia ser tb a Joana ou a Maria,há muitas Marilias o que não falta são casos desses mas muitos desconhecidos.
beijinhos amigo Zorze
e já agora violência doméstica não tem que ser só fisica muitas vezes e´também psicológica ou verbal.
E até as crianças já teêm sido vitimas de violência doméstica naõ são só as mulheres.
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